
A atriz estreia-se como realizadora com uma adaptação visceral das memórias de Lidia Yuknavitch — uma obra turbulenta, urgente e profundamente pessoal
CANNES — Kristen Stewart nunca escondeu que queria realizar filmes. Desde pequena que o dizia com convicção, mas raramente encontrava incentivo. “Vários adultos sentaram-me e disseram: ‘Porquê?’ ou simplesmente ‘Não’”, recorda a atriz. “É uma falácia pensar que precisas de uma caixa de ferramentas inacreditável ou um diploma. Se tens algo a dizer, um filme pode simplesmente cair de ti.”
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No caso de Stewart, “cair” não é bem o verbo certo. The Chronology of Water, a sua primeira longa-metragem como realizadora, foi apresentada este fim de semana na secção Un Certain Regard do Festival de Cannes, depois de um processo de oito anos de gestação e um final em modo urgência total.
“Acabei o filme 30 segundos antes de entrar no avião”, conta Stewart, sentada numa varanda com vista para a Croisette.
“Foi como um parto — estive grávida durante imenso tempo e depois gritei como se estivesse a morrer.”
Uma viagem impressionista ao interior de uma sobrevivente
O filme adapta as memórias de Lidia Yuknavitch, uma mulher que sobreviveu a abuso sexual por parte do pai, que se refugiou na natação competitiva, e que viria a encontrar na escrita uma forma de reconstrução emocional. Stewart não quis filmar apenas o que lhe aconteceu — quis mostrar o que ela fez com o que lhe aconteceu.
“O livro foi um salva-vidas. Literalmente, um colete salva-vidas”, diz Stewart.
“Queria fazer um filme que não fosse sobre o trauma em si, mas sobre o que se pode construir a partir dele. O poder transformador da escrita.”
“A minha inexperiência fez este filme”
Stewart recusa a ideia de que é preciso saber tudo para realizar. “É um mito profundamente masculino. Há realizadores técnicos, claro, mas tu contratas uma equipa. O importante é ter uma perspectiva — e confiar nela.”
E confiar foi o que fez. Segundo a própria, o caos da produção — que descreve como um naufrágio — acabou por definir o estilo final do filme. A montagem, feita em condições limite, não procurou a ordem mas sim uma lógica sensorial, instintiva, como se cada plano estivesse ligado por “tecido emocional e neurológico”.
“Não havia forma de fazer este filme em circunstâncias normais. Se o fizesse, teria ficado… normal.”
Imogen Poots brilha num papel sem rede
A protagonista é interpretada por Imogen Poots, numa das performances mais cruas e abrangentes da sua carreira. A atriz britânica incorpora a jovem Lidia com uma fisicalidade e vulnerabilidade notáveis, num registo onde o corpo, a dor e o prazer colidem.
“Como mulher, estás sempre a ser observada, vigiada. E és ensinada a conformar-te. Tudo neste filme confronta isso”, disse Poots.
“É uma história de trauma, mas também de sabotagem, de prazer, de liberdade — coisas muito femininas e muito humanas.”
O início de algo novo
The Chronology of Water pode ser o primeiro filme de Stewart como realizadora — mas tudo indica que não será o último. A sua sensibilidade de atriz, a forma como capta a fragilidade, a intensidade, e a coragem de não querer agradar, tornam esta estreia numa afirmação clara: Kristen Stewart não quer apenas contar histórias — quer contá-las como nunca ninguém as contou antes.
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