
50 anos depois, ainda vivemos na sombra do maior predador do grande ecrã
Em 1975, Steven Spielberg lançou um filme que não só redefiniu o conceito de blockbuster como reescreveu as regras do medo no cinema: Jaws (Tubarão, na versão portuguesa). Meio século depois, ainda estamos a tentar sair da água. Mas o impacto do filme não se resume a banhos evitados. Desde o primeiro mergulho sangrento até às abordagens mais conscientes dos dias de hoje, o cinema de tubarões — ou “sharksploitation”, como lhe chamam lá fora — tem sido uma batalha constante entre o terror, a exploração e a redenção.

Antes de Spielberg: o tubarão como bicho mitológico
Muito antes de Spielberg, já tubarões nadavam pelas telas. Em 1936, o filme australiano White Death colocava o escritor Zane Grey numa “caçada” ao grande tubarão branco. Mal feito, mal recebido, mas com muitos elementos que iriam definir o subgénero: caça ao predador, sensacionalismo e um certo desrespeito pela vida marinha. Este padrão manteve-se em documentários como The Silent World (1956), onde Jacques Cousteau e a sua equipa matavam tubarões “para fins científicos”, com harpas e ganchos. Ganhou a Palma de Ouro, sim — mas hoje essas cenas são difíceis de engolir.
A Mordidela que Mudou Tudo
E depois veio Jaws. A fusão perfeita entre suspense hitchcockiano e terror naturalista. Criou o arquétipo do tubarão assassino, amplificou o medo do desconhecido e — sem querer — lançou uma histeria global contra os tubarões, com impacto real na sua preservação.
No entanto, Jaws também impulsionou uma era dourada de “filmes de ataque animal”: Grizzly, Orca, Piranha, Alligator… e claro, as sequelas de Jaws, cada uma pior do que a anterior. Mas o dano já estava feito: os tubarões, no cinema, eram os vilões perfeitos. Mortais, misteriosos e sem remorsos.
Entre Exploração e Evolução
Os anos 70 e 80 viram uma série de filmes onde o espetáculo superava a ética. Shark! (1969), Mako: Jaws of Death(1976), Tintorera (1977)… Filmes que matavam tubarões em frente à câmara em nome da arte e da bilheteira. Em alguns casos, matavam até tartarugas e raias.
Mas aos poucos, a maré começou a mudar. Em 1999, Deep Blue Sea trouxe o CGI à mistura e subverteu algumas regras — incluindo a sobrevivência inesperada de um protagonista negro, o que era raro em thrillers da época. Já Open Water(2003), feito com orçamentos mínimos e tubarões reais, trocou os efeitos especiais por realismo puro — e uma mensagem clara: os tubarões não são monstros, são apenas… tubarões.

De Monstros a Metáforas
Nos últimos 20 anos, o cinema tem feito as pazes com os predadores do mar. Filmes como The Reef (2010), The Shallows(2016), 47 Meters Down (2017) ou Under Paris (2024) mostram tubarões como ameaças, sim, mas também como vítimas do desequilíbrio ambiental causado por nós.
E há espaço para o disparate: Sharknado e The Meg transformaram o absurdo em espetáculo. Entre tornados de tubarões e tubarões gigantes geneticamente modificados, a lição parece ser que o cinema já não precisa de respeitar as leis da natureza para entreter — mas começa, finalmente, a respeitar os próprios animais.
O Legado de Spielberg e o Futuro da Barbatana
Hoje, muitos dos envolvidos em Jaws — como o autor Peter Benchley e os operadores subaquáticos Valerie e Ron Taylor — assumem que o impacto do filme foi, involuntariamente, negativo para os tubarões. Todos eles dedicaram as suas vidas posteriores à sua conservação.
Mas talvez o maior legado de Jaws seja este: ter despertado não só o medo, mas também a curiosidade. Ao longo dos anos, cineastas, cientistas e mergulhadores têm vindo a reequilibrar essa narrativa. E se os tubarões continuam a ser temidos no ecrã, também começam, finalmente, a ser compreendidos.
O cinema de tubarões nasceu da exploração, foi dominado pelo horror, mas talvez, só talvez, esteja a chegar à redenção.
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