Simon Stone reescreve a bússola do ‘thriller’: de Ruth Ware a Hitchcock, porque pediu à atriz que não lesse o livro e como Lo Blacklock se torna “o que um bom jornalista deve ser”
A bordo de um iate de luxo no Mar do Norte, uma jornalista diz ter visto uma mulher ser atirada borda fora. Todos juram que ela está enganada. É neste vórtice de descrédito e paranoia que The Woman in Cabin 10 regressa — agora em longa-metragem para a Netflix — com Keira Knightley no leme e Simon Stone (o aclamado The Dig) a afinar o curso da adaptação do best-seller de Ruth Ware.
Não ler o livro? Ordem do capitão
Keira Knightley revelou que não leu o romance antes das filmagens — por pedido directo de Simon Stone. O realizador/argumentista quis libertar a actriz de “amarrações” ao texto original porque “fez alterações” na transposição para ecrã. A ideia: criar um thriller que respira cinema desde o primeiro plano, sem que a protagonista carregue a sombra de como certas cenas “deviam” soar no papel.
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De Ruth Ware a Alfred Hitchcock: a pista que redefine o mistério
Stone aponta The Lady Vanishes (Alfred Hitchcock) como farol criativo: alguém desaparece, todos negam a sua existência, e o espectador é empurrado para a dúvida. A matriz hitchcockiana é clara — tensão elegante, espaço fechado, psicologia em ebulição — mas esticada para um presente ultra-contemporâneo, com ritmo, ironia seca e uma protagonista que recusa “baixar a cabeça”.
Lo Blacklock, repórter até ao osso: “um cão com um osso”
Na visão de Knightley, Lo é “um cão com um osso”: não larga a verdade. A personagem é jornalista de viagens e é nesse ofício — curiosidade, método, teimosia ética — que o filme ancora a nossa percepção. Se a gaslighting a cerca, Lo redobra a persistência. Nada de voice-over condescendente; Stone trabalha por fora aquilo que o livro exprime por dentro, e deixa a actriz conduzir a obsessão com olhar, corpo e silêncio.
As grandes diferenças para o livro (sem panos quentes)
Ruth Ware confirmou que o filme assume mudanças musculadas, sobretudo no desfecho: aqui, Lo tem finalmente um confronto directo com o antagonista — um acerto de contas “em cena”, que o romance deixa “fora de campo”. É uma opção assumidamente cinematográfica: dá catarse, fecha arcos e transforma suspeita em choque frontal.
Um convés cheio de estrelas (e segredos)
O elenco é daqueles que fazem o iate adernar: Keira Knightley lidera, com Guy Pearce, Gugu Mbatha-Raw, Kaya Scodelario, Hannah Waddingham, Art Malik, Daniel Ings e David Ajala a povoarem corredores e camarotes onde todos têm algo a esconder. A dinâmica entre Lo e Ben (Ajala) condensa a claustrofobia moral do filme: confiança, ambição e o dilema de “ver” ou fingir que não viu.
Duração enxuta, tensão alta, género ao rubro
Com cerca de 1h32 de duração, The Woman in Cabin 10 abraça a tradição do thriller compacto: cenário limitado, tempo a encurtar, cada detalhe a contar. Em plena maré de adaptações com protagonistas femininas (de Gone Girl a Sharp Objects), Stone procura mais o suspense nervoso e menos o puro “twist de virar a mesa”. O que interessa é a pressão: quem fala verdade quando todos juram que mentimos?
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Porque este regresso importa
Ao pedir a Knightley que não lesse o livro, Stone transporta a narrativa para a sua própria gramática: imagem, montagem e encenação em vez de monólogo interior. O resultado promete ser um Hitchcock moderno com o coração no jornalismo — sobre acreditar nos seus olhos quando o mundo inteiro diz que não viu nada.



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