
Durante décadas, fomos ensinados a temer a chegada de inteligências artificiais conscientes. Desde o Ash de Alien até ao famoso Exterminador Implacável, o cinema pintou um quadro sombrio onde os robots inevitavelmente se voltam contra os humanos. Mas e se estivéssemos todos errados? E se a maior ameaça das máquinas não fosse destruir-nos… mas simplesmente ignorar-nos?
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Bem-vindos ao universo de Murderbot, a nova série protagonizada por Alexander Skarsgård que adapta com brilho a saga literária de Martha Wells, The Murderbot Diaries. Esta não é mais uma história de um robô que quer ser humano. Este é o relato sarcástico, cansado e inesperadamente comovente de um cyborg que só quer estar sossegado no canto dele a ver telenovelas espaciais.
“Eu fui programado para obedecer aos humanos. E os humanos… bem, são uns idiotas.”
Assim se apresenta Murderbot nos primeiros minutos da série. E pronto, está lançado o tom. Esta unidade de segurança, uma mistura de circuitos, músculos clonados e pele artificial, hackeou o seu próprio módulo de obediência para se libertar das ordens humanas — mas, em vez de se revoltar ou fundar um império robótico, decide dedicar-se àquilo que realmente lhe interessa: ver televisão.
Mais especificamente, The Rise and Fall of Sanctuary Moon, uma espécie de Star Trek com traços de Telenovela das 3. Murderbot adora. Acha que é entretenimento premium. Os humanos acham que é lixo. E é aqui que reside parte da genialidade desta série: o cyborg não quer ser como nós. Recusa emoções humanas, acha demonstrações de afecto repugnantes e só quer que o deixem em paz com os seus episódios.
Um herói relutante com uma biblioteca de memes internos
A interpretação de Skarsgård é soberba. Com uma expressão sempre entre o tédio e o desprezo contido, dá vida a um protagonista que é, ao mesmo tempo, antissocial, ultra-eficaz e involuntariamente cativante. A sua relação com a equipa de humanos, especialmente com a cientista Mensah (interpretada por Noma Dumezweni), revela camadas emocionais que o próprio Murderbot detesta admitir.
A série acerta em cheio ao apresentar este robot como um espelho desconfortável — não daquilo que as máquinas podem tornar-se, mas daquilo que os humanos projectam nas máquinas. Murderbot aprende a imitar empatia, não porque sente, mas porque viu isso na televisão. E, mesmo assim, a equipa começa a vê-lo como um ser com valor. Um dos momentos mais deliciosos é ver Murderbot a tentar manter as aparências robóticas enquanto reprime qualquer tentativa de “ligação emocional”.
Uma nova abordagem à ficção científica
A realização dos irmãos Chris e Paul Weitz capta bem o espírito do material original: uma mistura de ficção científica dura com crítica social embalada em humor mordaz. A estética é sóbria, mas rica, com planetas poeirentos, laboratórios decrépitos e uma tecnologia que parece sempre demasiado próxima da obsolescência — tal como o próprio Murderbot, um modelo em segunda mão comprado pela equipa apenas porque era barato.
Há também ecos de clássicos como Firefly, Battlestar Galactica e até Blade Runner, mas sempre com um desvio cómico que lembra The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy, especialmente nas narrações interiores do protagonista. Murderbot comenta tudo: os humanos, as suas decisões estúpidas, o drama excessivo das séries, e até a própria missão em que está envolvido.
Uma máquina com livre-arbítrio… e gosto duvidoso em televisão
O maior medo da humanidade — que as máquinas nos ultrapassem — é aqui substituído por algo mais hilariantemente trágico: a ideia de que, mesmo depois de atingir a autonomia, uma IA poderá ser tão apática quanto um estagiário em final de contrato. Murderbot tem livre-arbítrio. E o que faz com ele? Vê maratonas de séries. Evita contacto visual. E suspira (literal ou metaforicamente) sempre que alguém tenta “falar sobre sentimentos”.
Ao mesmo tempo, há algo de profundamente humano nesta recusa da humanidade. Murderbot não quer salvar ninguém. Mas também não quer ver ninguém a morrer por estupidez. E assim vai-se revelando uma inesperada bússola moral, muito mais sofisticada do que muitos humanos com batimento cardíaco e ego inflado.
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Murderbot é, em suma, uma brilhante reinvenção do clássico tema do “robô consciente”. Em vez de desejar ser humano, esta IA despreza-nos, evita-nos… e acaba, inevitavelmente, por nos comover. Porque, no fundo, quem nunca quis desligar o mundo lá fora e afundar-se em horas de ficção inútil? Murderbot é o anti-herói do século XXI que não sabíamos que precisávamos — e que provavelmente nos ignoraria se lho disséssemos.
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