
Criador de algumas das obras mais assombrosas (e emocionais) da última década, o realizador abriu o coração em Londres sobre o poder curativo do terror
Mike Flanagan não é apenas um dos nomes mais respeitados do terror contemporâneo — é também alguém que transforma as suas dores mais íntimas em histórias capazes de tocar profundamente quem as vê. E foi exactamente isso que confessou no encerramento do SXSW London, onde partilhou com o público que a criação de The Haunting of Hill House foi, na verdade, a sua maneira de sobreviver ao luto.
👻 A dor por detrás de Nell Crain
A série de 2018, que se tornou um fenómeno na Netflix e uma referência moderna do terror psicológico, tem por base o romance de Shirley Jackson — mas muito daquilo que vimos no ecrã nasceu de dentro do próprio Flanagan.
“Foi a minha forma de lidar com o luto. Houve um suicídio na minha família, e há imagens naquela série que nasceram de pesadelos que tive nessa altura.”
Na série, Nell Crain tira a própria vida, e todo o arco familiar da história gira em torno de trauma, perda e o vazio que fica. Não era ficção vazia — era catarse.
“Terei de lidar com isso o resto da vida. Mas ter um escape criativo foi incrivelmente terapêutico. E espero que o tenha sido para quem passa por algo semelhante.”

🧠 Terror como espelho da alma
Durante a conversa no festival, Flanagan foi ainda mais longe ao revelar que outros projectos seus — como Doctor Sleepou Midnight Mass — também serviram de forma de combate interno, neste caso à dependência do álcool.
“Doctor Sleep ajudou-me a ficar sóbrio.”
É uma abordagem rara em Hollywood: cineastas que usam o terror não só como entretenimento, mas como linguagem para expressar vulnerabilidade, cura e introspecção.
📺 “Ainda existe preconceito contra o terror”
Flanagan não escondeu a sua frustração com a forma como o género é frequentemente subvalorizado:
“O terror sempre foi popular. Mas a indústria — e parte do público — continua a ficar ‘surpresa’ de cada vez que aparece um bom filme. É como se tivessem de redescobrir que também pode ser dramático, complexo e artisticamente poderoso.”
Citou Get Out de Jordan Peele como exemplo: um sucesso que “legitima” momentaneamente o género… até ao próximo esquecimento.

🗣️ Uma defesa apaixonada dos monólogos
Numa das passagens mais aplaudidas da sessão, Flanagan defendeu o uso de monólogos no cinema:
“O monólogo está a morrer. Mas não há nada mais poderoso do que ver um actor a mudar a realidade só com palavras.”
Criticou ainda os estúdios e plataformas de streaming que insistem em cortar este tipo de momentos:
“Dizem que adoram, mas pedem sempre que tenha metade do tempo. Eu recuso. Quero lutar contra esta cultura de atenção limitada e entretenimento de rajadas.”
👁️ Stephen King? “Não é um autor de terror.”
Surpreendentemente, Flanagan recusa classificar Stephen King — o autor que mais adaptou ao longo da carreira — como escritor de terror.
“É um humanista, sensível e generoso. Escreve sobre pessoas, emoções e laços humanos. O horror surge naturalmente das personagens.”
E acrescenta:
“Demorei até aos 20 anos a perceber que It não é sobre um palhaço mutante — é sobre crianças e amizade.”
Flanagan está actualmente a desenvolver uma nova adaptação de The Dark Tower e a série Carrie para a Amazon.
🎬 The Life of Chuck: o novo Flanagan não é (só) terror
O cineasta encerrou o SXSW London com a estreia mundial de The Life of Chuck, com Tom Hiddleston no papel de um homem cuja vida é contada de forma inversa e parece afectar o universo à sua volta.
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Apesar de ser baseado em mais uma obra de King, o filme afasta-se do terror tradicional. É introspectivo, tocante — mais um exemplo de como Flanagan está a expandir os limites do género, sem perder a alma.
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