
Intrigas familiares, ambição social e patriarcado disfarçado de elegância: The Gilded Age está de volta, e desta vez com mais espelhos do que janelas.
A terceira temporada da série criada por Julian Fellowes (Downton Abbey) já chegou à Max, e promete continuar a sua missão de mostrar que, por trás dos vestidos exuberantes e das casas senhoriais de finais do século XIX, estavam (e estão) os mesmos dramas, desigualdades e contradições que ainda moldam o século XXI. Nesta nova etapa, as tensões entre o “velho dinheiro” e os novos ricos reacendem-se com força, ao mesmo tempo que se abrem caminhos para diálogos muito atuais sobre o papel da mulher, o racismo e as batalhas sociais ainda por vencer.
Luxo, poder… e óperas
O palco está montado. Depois da Guerra das Óperas, os Russell estão mais fortes do que nunca. Bertha ambiciona um lugar no Olimpo da elite nova-iorquina, e George arrisca tudo numa jogada que pode transformar — ou arruinar — o império ferroviário da família. Do outro lado da rua, os Brook enfrentam uma revolução doméstica: Ada assume finalmente as rédeas da casa, para desconforto da intransigente Agnes.
Mas não pensemos que o mundo da série se limita às elites brancas. Peggy, interpretada por Denée Benton, continua a ser o coração moral da história, enfrentando os desafios de ser uma mulher negra e emancipada num mundo que insiste em não a querer ver. Um novo interesse amoroso promete apimentar a sua jornada — e colocar em confronto os limites do progresso social da época.
A precisão histórica como acto de rebelião
Em conversa com o SAPO Mag, Julian Fellowes e Sonja Warfield (argumentista) explicam que a fidelidade histórica não é apenas uma questão de rigor: é uma forma de provocar reflexão. Ao evitarem “modernizar” as personagens ou fazer com que pensem como pessoas do século XXI, conseguem revelar com mais clareza os paralelos entre passado e presente.
“Quando admiramos uma mulher que simplesmente saiu de casa e foi viver sozinha, estamos a perder o contacto com a sociedade que devemos representar”, afirma Fellowes. Mas isso não significa que a série ignore figuras transgressoras. Pelo contrário: são essas personagens, como Bertha Russell ou Peggy, que iluminam as fissuras da estrutura social em que vivem — e as nossas também.
Mulheres que mandam (mas dentro das regras dos homens)
Um dos temas mais fascinantes da temporada é o papel contraditório das mulheres nas estruturas de poder social. Como Warfield salienta, mesmo quando as mulheres lideravam os salões da elite, eram frequentemente mais duras umas com as outras do que com os homens. Um fenómeno que, infelizmente, ressoa até aos dias de hoje. “As mulheres internalizam o patriarcado tal como todas as outras pessoas”, resume a argumentista.
Fellowes aponta ainda para um contraste cultural relevante: enquanto a Europa já tinha exemplos históricos de mulheres no poder (de Catarina, a Grande a rainhas britânicas), os EUA — país forjado na cultura pioneira masculina — ainda demonstram dificuldades em aceitar mulheres com verdadeiro poder político. Uma reflexão que, num ano eleitoral nos EUA, ganha particular peso.
“The Gilded Age” como drama político disfarçado de novela de época
Se pensas que The Gilded Age é apenas mais uma série com figurinos bonitos e criados de olhar cabisbaixo, enganas-te. A terceira temporada investe mais fundo nos dilemas morais das suas personagens e nas camadas ideológicas por trás de cada chá servido com etiqueta.
As óperas são guerras, os jantares são campos de batalha, e os salões dourados escondem as dores de uma sociedade que, apesar dos colares de pérolas, continua profundamente desigual. Tal como em Downton Abbey, Julian Fellowes transforma os detalhes da etiqueta e da tradição em terreno fértil para debater o presente.
Um elenco de luxo que brilha mais do que os candelabros
Carrie Coon, Christine Baranski, Cynthia Nixon, Morgan Spector e Denée Benton lideram um elenco de estrelas que sabe equilibrar subtilmente a pompa com a emoção. Os seus sorrisos medidos escondem tragédias silenciosas, ambições ferozes e fraquezas muito humanas — exactamente como as de qualquer um de nós.
Conclusão
Em tempos de mudança política, social e económica, The Gilded Age mostra-nos que já estivemos aqui antes. E talvez, só talvez, aprender com as lições de 1882 nos ajude a viver melhor em 2025. Ou, pelo menos, a reconhecer os padrões. Com um argumento afiado, interpretações soberbas e um olhar crítico embrulhado em seda, esta terceira temporada confirma o que já sabíamos: The Gilded Age é ouro puro — e não apenas no nome.
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