
Ana de Armas brilha, mas o spinoff deixa mais dúvidas do que certezas. Estará o mundo de John Wick a afundar-se sob o peso da sua própria expansão?
Três semanas após a sua estreia mundial, Ballerina confirma os receios de muitos fãs: o universo John Wick começa a ceder. Embora visualmente competente e com uma protagonista carismática, o filme acaba por desorientar-se na cronologia, perde força na bilheteira e, pior que tudo, dilui aquilo que tornava John Wick… John Wick.
Uma assassina em pontas — mas tropeça na narrativa
Ballerina situa-se entre os eventos de John Wick: Capítulo 3 – Implacável e John Wick: Capítulo 4. Seguimos Eve Macarro (Ana de Armas), uma bailarina treinada pela Ruska Roma, numa busca por vingança contra os assassinos do seu pai — ao mesmo tempo que tenta cortar os laços com a sua família adoptiva de matadores.
O conceito parece promissor: mais uma peça do quebra-cabeças do submundo que John Wick tão bem nos apresentou. Mas o que poderia ter sido uma expansão sólida transforma-se rapidamente num problema de continuidade. E isso não se resolve com piruetas bem filmadas ou sequências coreografadas com precisão.
A aparição de John Wick… é o verdadeiro tropeço
Desde cedo, o marketing fez questão de martelar a presença de Keanu Reeves como grande trunfo de Ballerina. E sim, ele aparece. Mas essa escolha destrói a coerência interna da narrativa.
Para quem se lembra: no final de Capítulo 3, Wick está às portas da morte e recolhe-se aos túneis de Nova Iorque com o Bowery King. Passam seis meses até ao início de Capítulo 4. Ora, Ballerina decorre dois meses após Capítulo 3, e apresenta-nos um John Wick misteriosamente activo, a circular livremente, envolvido com a Ruska Roma — grupo ao qual, segundo Capítulo 4, ele ainda terá de pedir readmissão.
Em termos de continuidade, isto é mais do que uma falha: é uma sabotagem à própria mitologia da saga. Ao tentar manter viva a presença de Keanu Reeves, o filme atropela a cronologia e mina a construção narrativa dos capítulos principais.
Multiplicar Wicks não é estratégia — é cansaço
Quando John Wick chegou às salas em 2014, o protagonista destacava-se como um mito solitário num mundo de vilões banais. Agora, temos uma galeria de assassinos igualmente carismáticos e letais: Caine, Mr. Nobody, Sofia… e agora Eve. Todos são “quase-Wicks”.
Mas este excesso de figuras com o mesmo perfil — assassinos silenciosos em luto, letais, com códigos próprios — está a desgastar a aura de exclusividade de John Wick. Eve não tem culpa: Ana de Armas está em excelente forma, tanto física como dramática. O problema é estrutural. A saga começa a parecer uma fábrica de personagens com molde pré-definido.
E quanto mais se tenta repetir a fórmula, menos impacto ela tem.
Bilheteira modesta, sinal de alarme
Apesar das boas críticas iniciais (CinemaScore A-, 87 % de aprovação no PostTrak), Ballerina abriu com apenas 25 milhões de dólares no mercado norte-americano. Um número que, face ao orçamento de 90 milhões, é preocupante.
A título de comparação:
- John Wick 4 abriu com 73,8 milhões
- John Wick 3 com 56 milhões
- John Wick 2 com 30 milhões
Mesmo considerando o crescimento internacional (51 milhões mundiais até ao momento), Ballerina está longe de se afirmar como um sucesso. E isto levanta uma questão inquietante: será que o público só se interessa por este universo quando é Keanu Reeves quem carrega a pistola?
O que nos diz Ballerina sobre o futuro da franquia?
Com John Wick 5 já em desenvolvimento e um spinoff centrado em Caine a caminho, a Lionsgate está a tentar esticar a corda ao máximo. Mas Ballerina mostrou que o público talvez já esteja satisfeito com o desfecho do Capítulo 4. E qualquer tentativa de “ressuscitar” Wick ou prolongar-lhe a lenda pode acabar por manchar aquilo que foi um final digno.
Há espaço para expandir este universo? Talvez. Mas será preciso mais criatividade e, acima de tudo, mais respeito pela narrativa que se construiu até aqui.
Onde ver “Ballerina”
- Portugal: em exibição nos cinemas desde 6 de Junho de 2025. Disponibilização digital prevista para Amazon Prime Video até final de Julho.
- Brasil: estreou a 6 de Junho de 2025, disponível brevemente no Amazon Prime Video Brasil.
- Blu-ray (importado): já disponível na Amazon EUA
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Ballerina é um filme com estilo, alguma alma… mas sem chão. O que era para ser um passo seguro no futuro do universo John Wick tornou-se num tropeção narrativo. A coreografia está lá, os tiros também. Mas sem uma história sólida, e sem um herói verdadeiramente novo, tudo soa a eco. E como qualquer bailarino sabe, por vezes o silêncio entre os passos diz mais do que o ruído das botas a bater no palco.
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